Ósculo
santo (OC)
(Deverá “clicar” nas referências
bíblicas, para ter acesso aos textos)
A forma de as pessoas se cumprimentarem
varia de cultura para cultura.
Há saudações por gestos ou
contactos físicos (fazer vénias, piscar os olhos,
agitar a mão no ar, o aperto de mão, os toques dos dedos fechados, a
pancadinha nas costas, o abraço, o beijo ou beijos, etc.) e há saudações
verbais como: bom dia, boa tarde, boa noite, olá, como está? como vai a saúde?
A propósito, convém dizer que saúde e saudação fazem, parte da mesma família de
palavras: saúde (salute), saudar (salutare),
saudação (salutatione).
Geralmente é à chegada e à despedida que
as saudações são mais comuns.
Antigamente aprendia-se, em casa e na
escola, a ser cortês para toda a gente e a saudar as pessoas mesmo sem as
conhecermos, uma saudação com base no pressuposto de que, só pelo
facto de sermos humanos já devemos saudar os outros que são tão humanos
como nós. Isto, independentemente de serem pobres ou ricos, famosos ou
incógnitos, doutores ou analfabetos, independentemente da idade, do sexo, da
raça, da condição social...
Hoje, apesar de se falar tanto em
educação e haver escolas mais modernas e bem equipadas, além de famílias
mais cultas e aparentemente informadas, com tantos meios de comunicação a
ajudar (será que ajudam mesmo?), parece haver cada vez menos educação. Sabe-se
de letras, de números, de computação, mas é-se ignorante no campo das
relações humanas.
Mais grave é que isto esteja a acontecer
nas igrejas, entre cristãos, muitos dos quais fazem questão em erguer a Bíblia
como pendão, e de a seguir à risca, ou seja, ao pé da letra, pelo menos
em certos aspectos considerados “eclesiasticamente correctos”. São capazes
de investir o seu raciocínio em argumentações e querelas doutrinais
secundárias, impertinentes ou mesmo estéreis, esquecendo o fundamental do
ensino de Cristo.
Mas Cristo não deveria ser, para um
cristão, a suprema referência? O critério para as grandes opções
da vida? O modelo orientador das decisões práticas do dia a dia, individualmente e em comunidade, na relação
constante com outras pessoas?
Jesus sintetizou a lei no amor Mateus 22:34/40.
O amor não é uma coisa vaga ou fantasista! Amor foi o que trouxe
o Filho de Deus ao mundo e amor foi o que Jesus praticou em toda a sua
vida neste mesmo mundo. Ele compadeceu-se, alegrou-se e entristeceu-se, chorou
e festejou, comeu e bebeu (até mesmo em convívio com a ralé), foi benigno e
generoso, serviçal, altruísta. Deu lições que apelam à razão, mas
também manifestou a sua emotividade. Transbordavam de si mesmo os
mais nobres sentimentos que ainda hoje nos comovem, e que talvez até não
deixem insensíveis os que possuem um mínimo de afectividade, a
que também chamamos coração!
O Evangelho de Cristo apela ao
sentimento, à vontade, ao pensamento... e não se limita apenas a um qualquer
“segmento” da personalidade. Esta é plurifacetada, não se reduzindo, por
exemplo, ao “animal racional”, ao ser pensante.
Daí, que o mandamento do amor se
repita no final do ministério do “Nazareno” como uma norma sempre nova: um
novo mandamento vos dou: que vos ameis uns aos
outros... João
13:34/35 Seria através do amor que os cristãos, ao longo dos
séculos, haviam de ser conhecidos e reconhecidos como seguidores de
Jesus.
O Cristo, além de outras expressões de
carinho, deixou uma saudação muito especial após a sua ressurreição: Paz seja
convosco! João
20:19, saudação esta
repetida pelo Mestre várias vezes.
A verdade é que os apóstolos assim
saudavam e ensinavam a saudar. Nas cartas de Paulo aos romanos, aos coríntios,
aos gálatas, aos efésios, aos filipenses, aos colossenses
e aos tessalonicenses, a saudação inicial é “graça e paz”. E ao escrever
aos seus filhos “segundo a fé” (filiação espiritual) Timóteo e Tito, ele
escreve: “Graça, misericórdia e paz”!
A saudação “Graça e Paz” é também adoptada por Pedro nas suas epístolas. Já João, que
na sua segunda carta usa a saudação “Graça, misericórdia e paz”, emite,
repetidamente, expressões de grande carinho, como: “meus filhinhos”, “amados”,
“que tenhas saúde”. E Judas começa assim a sua carta: “aos queridos...
misericórdia e paz e amor vos sejam multiplicados”, empregando três vezes, numa
tão pequena carta, a expressão afectuosa “amados”.
Em Apocalipse 1:4 o apóstolo
João escreve: Graça e paz seja convosco, da parte daquele que é, e que era
e que há-de vir...
Os apóstolos finalizavam as suas cartas
(mensagens equiparáveis hoje à correspondência postal,
electrónica/e-mail, ou por-mão-própria) com saudações como: “ a graça do Senhor
Jesus Cristo seja convosco”, “o meu amor seja com todos vós” ( Romanos 16:23/24 ), “paz seja com os irmãos e amor com fé...” Efésios 6:23.
Incluíam também saudações de e a outros, como: “todos os santos vos
saúdam” 2ª
Coríntios 13:12, “... saúdam-vos afectuosamente no
Senhor" 1ª
Coríntios 16:19. Ler também em Filipenses 4:21/23
e em Colossenses
4:10/15, textos que mostram como a troca de saudações era
importante.
Mas foi talvez aos filipenses que
Paulo enfatizou mais a relevância dos sentimentos e dos afectos, até como
factor de unidade (discordar mas amar!).
Quando Paulo dispensava o seu
“escriturário” e redigia com a própria mão, fazia-o nas saudações finais, como
em Colossenses 4:18
“Saudação da minha mão...”
A saúde é um dos maiores bens. É
curiosa não só a relação, já referida, de saúde com saudação, mas também o
facto de, em Tiago
1:1, o Autor desta epístola cumprimentar os seus destinatários com uma
palavra apenas: “saúde”. Também João, na sua terceira carta, dirigindo-se
ao presbítero Gaio, cumprimenta-o assim: “Amado, desejo que te vá bem em todas
as coisas, e que tenhas saúde...” 3ª
João 1:2
Paulo faz questão de lembrar o modo como
os irmãos em Cristo deviam saudar-se : “com ósculo
santo” Romanos 16:16;
2ª Coríntios 13:12;
1ª Tessalonicenses
5:26. E Pedro também ensina: “Saudai-vos uns aos outros com ósculo de
amor” 1ª Pedro 5:14. Oscular é, como
se sabe, beijar.
Hoje verifica-se, na nossa sociedade em
geral e também em certas igrejas, uma tendência: ao mesmo tempo que se
formaliza o tratamento pessoal por irmão, e não por tu* como geralmente
acontecia no Novo Testamento, evita-se o contacto corporal nomeadamente nas
saudações. Ora, abraços e beijos dão-se no seio duma qualquer família. Quanto
mais entre os irmãos na fé, como sinal de comunhão e de carinho.
Ósculo santo, sim, nas suas variantes
culturais. Sempre e só como expressão de amor fraterno, evidenciando maior
aproximação, maior familiaridade. De forma espontânea e sincera.
Voltando às abundantes saudações nas
cartas apostólicas, parece conveniente chamar a atenção dos que
hoje trocam e-mails, para a a necessidade
os humanizar. Um e-mail é correio e, quando através
dele se transmite uma mensagem pessoal, esta “carta” não deveria ser
gélida mas personalizada, à semelhança das cartas dos cristãos primitivos. Este
é o meu parecer. Acredito que os cristãos deveriam usar as novas tecnologias
segundo os padrões do Cristo e não à margem deles.
(*) Atendendo, porém, às formas
equivalentes em outras culturas lusófonas.