NÃO HÁ DEUS! (MC)

(Deverá “clicar” nas referências bíblicas, para ter acesso aos textos)

 

 

Qual será o motivo por que tantas pessoas no mundo em que vivemos rejeitam Deus? Falando da Europa, dos vários continentes americanos, da Austrália, não há dúvida de que, embora por vezes seja possível juntar muita gente em nome da religião, a verdade é que a verdadeira convicção e acção cristã são raras. Em relação ao Brasil, onde o crescimento das Igrejas é explosivo, um pastor desse grande país, com humor, disse: “Isso não é crescimento -  é inchação!”

Os filmes, os romances, as peças de teatro mostram como é mínima a referência a Deus nesta civilização ocidental.

O Salmo 14 quer explicar a situação do ateísmo e é tão importante o que nele se diz que quem organizou o livro dos Salmos juntou este duas vezes, na segunda tendo para nós o nº 53. Salmo 53

 

O MAL PERTURBA

 

O salmista começa por dizer que é o insensato, o néscio, que nega Deus, mas a observação que faz em seguida parece dar razão a quem nega Deus. Não é um raciocínio filosófico ou científico que leva forçosamente a pessoa a rejeitar a ideia de Deus, mas o facto de se testemunhar que há tanta maldade entre os humanos, incluindo entre aqueles que dizem crer em Deus: Desviaram-se todos e juntamente se fizeram imundos. Não há quem faça o bem. O que provoca o ateísmo é, prioritariamente, a falta da prática do bem.

Há dias vi um homem, que é membro de uma Igreja, tomar uma atitude que, à luz da razão e da ética, é condenável e fiquei perturbado. Não duvido que eu também cause perturbação por causa de atitudes minhas, mas o facto é que, ao ouvir aquele homem, pus-me a falar com Deus: “Senhor, como é que permites uma coisa destas? É por causa de Tu permitires comportamentos destes que, quem os testemunha, perde confiança em Ti”.

Quer dizer: eu pus-me a censurar Deus por permitir àquele homem que diz crer n’Ele um mau comportamento! O mau comportamento daquele homem fez nascer em mim uma espécie de amargura contra o próprio Deus! Eu sou crente e sou pastor. Agora pensemos naqueles que não se identificam com o Cristianismo, que não confessam nenhuma fé e que vêem cristãos seus vizinhos, seus colegas de trabalho, seus familiares, ou figuras públicas, com comportamentos claramente deploráveis. Tais pessoas ficam “vacinadas” em relação a Deus, pelo menos ao Deus em Quem dizemos crer.

Conheci há muitos anos um jovem que foi estudar num Seminário com vista a preparar-se para ser pastor. Cada fim-de-semana que vinha a casa, à cidade onde eu era pastor, falava-me amargamente do que ele achava ser mau comportamento de condiscípulos e professores. No fim do segundo ano do curso, não sei se por decisão da direcção do Seminário se por escolha do seminarista, o jovem deixou o curso e procurou outra actividade. Entretanto, afastou-se da sua igreja local e pouco depois abandonou por completo a actividade cristã. Hoje é um homem triste que aparenta dizer no seu íntimo: “Não há Deus!” Mas a sua rejeição de Deus não foi também nem de ordem filosófica nem científica, mas apenas do que ele considerou o mau comportamento de alguns cristãos.

 

CRIME E CASTIGO

 

Na sua perturbação ante a maldade do mundo que faz crescer o ateísmo, o crente pode dizer a Deus: “Senhor, a solução está nas Tuas mãos. Se Tu castigares imediatamente aquele que transgride, evitas que as testemunhas duvidem de Ti!”. Há salmos com ecos desta perturbação. Pode parecer razoável. Imaginemos que uma mulher trata com má educação uma sua vizinha, ofendendo-a na sua dignidade. Mas no dia seguinte esta mulher que ofendeu acorda com os lábios infectados que a fazem sofrer. Nesse caso a vizinha ofendida poderia concluir: “Deus castigou-a. Deus é meu vingador. Ele é grande”. Mas isto não acontece. O mais natural é que a mulher que ofendeu acorde no dia seguinte feliz e bem disposta e vá ao culto à sua igreja cantar hinos de louvor! Um cristão com um ministério na sua igreja, influenciado pelos padrões do mundo, onde os dirigentes oprimem os povos Marcos 10:42/45, faz uma injustiça com um irmão, a quem considera seu dirigido. Se nesse mesmo dia o suposto dirigente fosse castigado por Deus, quem disso soubesse diria: “Há Deus!” e aparentemente a causa de Deus iria de vento em popa.

Mas isto são pensamentos néscios, insensatos. Porque um mundo assim, onde as consequências dos nossos pecados fossem tão imediatas e evidentes seria mais perturbante do que o mundo como Deus o quer. Um homem assalta, numa noite, um modesto cidadão. No dia seguinte ou uma semana depois, como castigo de Deus, o ladrão é gravemente atropelado por um automóvel. Para que a vítima e testemunhas do assalto saibam que foi castigo de Deus, que Deus existe, é preciso que tenham conhecimento deste acidente – mas se o acidente não for noticiado? E se vítima e testemunhas não sabem o nome do ladrão, como saberão que foi castigado? Outro homem transgride o mandamento que diz “Não adulterarás” e, como castigo, Deus fá-lo adoecer com câncer. Mas para que a doença seja vista pela esposa traída como castigo de Deus, ela deve saber do pecado, e eventualmente assistirá ao sofrimento do marido com um sorriso, dizendo: “Deus existe e é meu vingador!”. De qualquer forma, essa mulher estaria longe de um sentimento de compaixão.

 

SEM COMPAIXÃO PELO PECADOR

 

Se pudermos testemunhar pelos nossos olhos que todo o pecado seria imediatamente punido por Deus, tornar-nos-íamos todos incapazes de compaixão e incapazes de fazer o bem. Talvez evitássemos fazer o mal, para não sermos castigados, mas não tomaríamos a iniciativa de fazer o bem, porque a necessidade que o outro tem, o sofrimento por que passa pode ser visto como castigo de Deus e, portanto, necessário. Se o meu vizinho está com um problema que o inquieta, terei de o deixar a sós com o problema, pois será resultado do pecado dele. Uma sociedade em que qualquer problema na vida é visto como “castigo de Deus” por um pecado cometido pelo que o sofre ou por seus pais, é uma sociedade onde os sentimentos de compaixão e de solidariedade têm de ser muito fracos. E os esforços por combater inteligentemente a doença ou outros problemas, como a pobreza, também não serão fortes, porque haverá sempre algum fatalismo. Como combater um castigo de Deus? Se o adúltero agora tem câncer, curá-lo é combater Deus. A má teologia leva necessariamente a uma vivência errada.

Só o insensato pode concluir que não há Deus por contemplar a maldade do mundo. É correcto associar Deus à bondade, à justiça e ao bem, mas quem reflicta com seriedade compreenderá que o facto de haver tanta maldade no mundo e dentro de nós próprios, não pode pôr em questão a nossa fé n’Ele. Não podemos ignorar, a esta luz, duas verdades capitais. A primeira é a que fomos criados à imagem de Deus Génesis 1:27. A segunda é que o tempo de Deus não é o mesmo que o nosso Pedro 3:8.

O facto de sermos criados à imagem de Deus fala-nos da grande dignidade do ser humano e do facto de podermos escolher, termos liberdade. Estaríamos restringidos na nossa liberdade se as consequências das nossas transgressões fossem imediatas (sem mediação). Seria como um pai que desse ao seu pequeno filho autorização para brincar no jardim, mas espreitando e interrompendo a brincadeira sempre que a criança fizesse algo com que o pai discordasse. Desse modo, o filho não aprenderia nada, não progrediria. O ser humano comete erros e Deus pacientemente aguarda que ele tire as suas lições. O ladrão que assaltou naquela noite, perderia todas as oportunidades de regeneração se fosse atropelado uns dias depois do assalto, mas um mês, um ano, dez anos depois de vida desonesta podem levá-lo a descobrir a necessidade de mudança, arrependimento e submissão a Deus. O adúltero pode encontrar a oportunidade de arrependimento e conversão, passando a ser um marido fiel e bom.

 

PACIÊNCIA DIVINA

 

Deus não tem pressa, embora a Sua justiça não deixe de se fazer. Mil anos para Ele são como um dia. Dá tempo ao homem para um processo de aprendizagem e mudança, e se essa mudança não se fizer até ao último momento da vida, como ao ladrão na cruz Lucas 23:42, virá o Julgamento Final. Ninguém escapará, mas aqui na terra nunca saberemos se uma doença, uma situação inquietante é castigo ou não. Nem interessa que saibamos.

É importante termos sempre presente que Deus é o Eterno e nós agora vivemos no tempo. Ao seminarista que via maldade em condiscípulos e professores faltou, por certo, a paciência para confiar na justiça divina que viria quando Ele achasse melhor. Não se tratava de fechar os olhos ao erro, mas de, corrigindo o que fosse possível da sua parte, manter-se firme na certeza de que o Todo-Poderoso está sempre atento. Como diz o salmista na versão portuguesa antiga: Aquele que me guarda não tosquenejará. Eis que não tosquenejará nem dormirá o guarda de Israel - Salmo 121:3/4

É evidente que Deus não quer que os homens actuem de maneira a fazerem sofrer outros. Quem faz mal ao seu próximo, faz como o mordomo de uma parábola contada por Jesus, o qual, pensando estar longe o seu patrão e demorando, começou a tratar mal os seus co-servos Lucas 12:42/48. Mas devemos apreender com tudo, incluindo com o sofrimento de que formos vítimas. Somos “bem-aventurados” se soubermos pagar com bem o mal de que sejamos alvo. O ex-seminarista acusava um dos seus professores de ser injusto na classificação dos seus trabalhos, sempre com nota inferior ao que o estudante achava merecer. Admitindo que sim, que esse professor era injusto: se o jovem via nisso perseguição, cresceria espiritual e psicologicamente pagando esse mal com oração pelo professor e esforço por ultrapassar em paz esse problema. Num emprego podemos ter um chefe prepotente, mas a atitude cristã coerente é não pagar “olho por olho e dente por dente”, mas orar por ele e estar pronto a andar a segunda milha. Mateus 5:41.

O insensato, vendo o espectáculo de ódio e maldade no mundo, diz: Não há Deus!. Mas o crente, ante a mesma realidade, sente a exortação profunda de corrigir o seu próprio modo de viver e servir melhor a Deus.

 

Manuel Pedro Cardoso

Figueira da Foz – Portugal

Julho de 2006

 

Estudos bíblicos sem fronteiras teológicas