Igreja ou Templo da Rua tal...? (CC)
(Deverá
“clicar” nas referências bíblicas, para ter acesso aos textos)
Qual será a expressão correcta na nossa língua? Igreja da rua tal,
ou Templo da igreja na rua tal?
Introdução
Geralmente o povo brasileiro, assim como o povo português, tanto
católicos como protestantes, referem-se aos edifícios dedicados ao uso
religioso cristão como “igrejas”, e o mesmo acontece nos outros países de
língua oficial portuguesa.
Mas, parece que “está na moda”, os entendidos corrigirem os nossos
crentes dizendo que igreja são somente os crentes e nunca o edifício dedicado
ao uso religioso, sugerindo que ao edifício se deva chamar “Templo”.
Assim, em vez da habitual expressão “a igreja da rua tal..” a
expressão correcta seria “o templo da rua tal” ou “o templo da igreja na rua tal..”.
Etimologia da palavra igreja
A origem da nossa palavra “igreja” está na palavra grega “ekkyesia” que significava simplesmente um ajuntamento do
povo, convocado geralmente para fins políticos ou militares. Mas, segundo o
dicionário etimológico de José Pedro Machado, já na antiga Grécia, podia também
designar o local onde eles se reuniam.
Dessa palavra grega “ekkyesia”, resultou
a palavra latina “ecclesia” que significava também um
ajuntamento de pessoas e foi utilizada pelo primitivo cristianismo para
designar o grupo de crentes, podendo também designar o edifício onde se
reuniam, segundo consta no terceiro volume do citado dicionário etimológico.
Semântica da palavra igreja
No português dos nossos dias, a palavra igreja, tanto pode
designar o grupo de cristãos que se reúne em determinado local (congregação),
como a organização religiosa a nível nacional, como o edifício onde se reúnem.
Afinal, parece que o significado dessa palavra não tem sofrido
grandes alterações através dos tempos.
Significado teológico
Não há unanimidade entre os teólogos dos nossos dias, quanto à
correcta utilização desta palavra.
Já ouvi dum respeitável Pastor e Professor de Seminário, a
seguinte sugestão quanto à escrita da palavra igreja que deveria ser a
seguinte:
igreja = grupo de crentes que habitualmente se reúne em
determinado local (congregação).
Igreja = igreja nacional, por exemplo a Igreja Metodista de
Portugal ou a Igreja Presbiteriana do Brasil, etc.
IGREJA = Igreja Universal ou o conjunto dos remidos de todos os
tempos e locais.
Penso que esta sugestão é interessante, mas claro que se trata
somente duma sugestão.
Problemas dos nossos dias
Tenho reparado que “está na moda” certos pastores repreenderem os
crentes quando se referem ao edifício onde os crentes se reúnem como sendo a
sua igreja, sugerindo a utilização da palavra “Templo”, razão que me levou a
investigar o assunto e escrever estes apontamentos.
Parece-me um caso insólito, que tais puristas da nossa língua
aceitem com total passividade e indiferença a “invasão” de termos estrangeiros
que vemos nas nossas igrejas, onde em alguns ambientes falar mau português, com
termos estrangeiros à mistura até é considerado sintoma de espiritualidade, mas
acabem por se preocupar com estes pormenores da linguagem dos nossos crentes.
Como já afirmámos, tanto a palavra “ekkyesia”
no grego, como a palavra “ecclesia” no latim, tanto
podiam significar o grupo de pessoas como o local onde habitualmente se
reuniam.
Esta identificação do grupo de pessoas com o edifício onde se
reuniam, é perfeitamente compreensível se nos lembrarmos da figura de retórica
chamada metonímia, muito vulgar nessas culturas, que tomava a causa pelo efeito
ou o símbolo pela realidade que este representa. Por exemplo, em Lucas 16:29
encontramos a expressão “... têm Moisés e os profetas...”. Ora, tanto
Moisés como os profetas já tinham morrido há séculos. Isso significava
simplesmente que eles tinham os escritos de Moisés e os escritos dos profetas.
Não admira que já no antigo grego e latim, houvesse essa identificação da
igreja (grupo de pessoas) com o seu local de reunião.
Se tal já acontece, não só na nossa língua, como em muitas outras
dos nossos dias, não me perece possível alterar essa prática do nosso povo
lusófono, até porque é o povo e não os teóricos que, bem ou mal, faz a nossa
língua. Mas neste caso até o nosso povo tem o apoio de idêntico procedimento no
latim e no grego.
Neste caso, não prescindo de me identificar com o nosso povo
lusófono, e não com os pastores puristas da nossa língua.
Outros casos na nossa língua em que a metonímia deu lugar a novas
palavras
Chamar Igreja ao local onde a igreja (grupo de pessoas) se reúne,
dando ao local ou edifício o nome do grupo que o utiliza, não é caso único na
nossa língua.
Vejamos alguns outros casos.
Correios
Temos, por exemplo a palavra Correios. Se alguém nos perguntar
onde ficam os correios, certamente que não iremos responder que correio é o
homem que geralmente montava a cavalo para correr a levar alguma mensagem, ou o
animal, geralmente o pombo, que voava rapidamente para entregar essa mensagem.
Com o correr do tempo, passou a chamar-se de correios o local ou edifício onde
esses cavalos e cavaleiros (os correios) aguardavam pelos que quisessem
utilizar os seus serviços. É por isso que o símbolo que encontramos em muitos
edifícios dos correios é um grupo de homens montados a cavalo.
Município
Também se perguntarmos onde fica o município ou a câmara municipal
de determinada cidade, certamente que ninguém nos irá responder que município
não é nenhum edifício, mas sim o conjunto dos munícipes.
Tribunal
Da mesma maneira, podemos perguntar onde fica o Tribunal que
ninguém nos irá responder que Tribunal não é nenhum edifício, mas um grupo de
pessoas, os tribunos, que são os representantes das tribos que se reúnem para resolver
os assuntos mais importantes.
Sinagoga
Também a palavra “sinagoga”, vem do grego “synagoge”
que significava assembleia; colheita; preparativos de guerra; aproximação;
união e passou a significar na nossa língua o local de culto dos judeus. A maior
parte das passagens neotestamentárias onde aparece a palavra “sinagoga”
referem-se ao edifício, como por exemplo Mateus 12:9, Mateus 13:54, Marcos 1:21/29
etc.
Será que a Bíblia deveria dizer “templo da sinagoga”, pois
sinagoga são as pessoas?
Somente a palavra “mesquita”, vem do árabe “masjid”
e já na sua etimologia significava o lugar onde alguém se prosterna, sendo
portanto o local de adoração.
Será preferível a palavra Templo ?
A palavra Templo vem do latim “templu” e
significava o espaço circunscrito, delimitado; espaço traçado no ar pelo bastão
do áugure como campo de observação à vista dos auspícios.
Na teologia, a palavra “templo” está intimamente ligada ao Antigo
Testamento, que mantinha a antiga ideia dum local de culto reservado para
determinada divindade, onde esta ouve os seus fieis e manifesta a sua
presença. Esta ideia está bem patente em
várias passagens veterotestamentárias que relacionavam o Deus de Israel com
determinado local, como Siquém Génesis 12:6/8
ou Mambre Génesis 13:18, mas a
maior ênfase está em Jerusalém onde os judeus construíram o seu Templo.
Portanto, no judaísmo só havia um único Templo, em Jerusalém, onde
o Deus dos judeus recebia as suas ofertas em animais e em dinheiro. De tal
maneira esse lugar era único, por motivos não só religiosos como políticos e
económicos, que os judeus destruíram todos os outros templos que pudessem
rivalizar com o de Jerusalém, como aconteceu com o Templo de Gerizim.
Penso que a palavra “Templo” tem uma semântica pouco simpática,
não só por ser um termo ligado ao judaísmo e ao paganismo, como pelo facto do
Templo de Jerusalém ser a “fortaleza” dos inimigos de Cristo, como
principalmente por transmitir a ideia da identificação de Deus com determinado
local, ideia que considero manifestamente contrária à revelação
neotestamentária.
Em Mateus
12:6 Jesus apresentou-se como maior que o Templo e nas outras passagens do
Novo Testamento onde aparece esta palavra, em 1ª Coríntios 3:16
e 1ª Coríntios 6:19,
assim como em 2ª
Coríntios 6:16 Paulo considera os nossos corpos como o Templo do Espírito
Santo.
Se nos lembrarmos de que nesse contexto histórico a palavra Templo
duma maneira geral era o local onde determinado deus residia e comunicava com
os seus adoradores, qual seria a mensagem que Paulo nos quis transmitir ?
Significa certamente que, para estar mais próximo de Deus o Pai,
são nulas e de nenhum efeito, quaisquer peregrinações a lugares santos.
Portanto, quer se trate duma peregrinação católica a Roma, a Fátima ou à
Aparecida do Norte, ou qualquer peregrinação evangélica a Jerusalém, não terá
qualquer valor para encontrar Deus o Pai, embora possa ter interesse didáctico
ou histórico, pois para contactar com o Pai, só há um local privilegiado onde o
podemos encontrar, que também não é na igreja, mas somente no seu templo
particular, no íntimo do nosso ser. Isso significa que o Espírito Santo se
manifesta directamente a todo o crente, pois Deus não pode ser aprisionado
pelas nossas organizações ou pela nossa arquitectura religiosa. Podemos ler em Mateus 6:6 Tu, porém,
quando orares, entra no teu quarto e, fechando a tua porta, ora ao teu Pai que
está lá, no segredo; e o teu Pai, que vê no segredo, te recompensará.
Assim, chamar templo aos nossos locais de reunião é um retrocesso
à mentalidade do Antigo Testamento e uma falta de compreensão da mensagem do
nosso Mestre.
Afinal, o nosso povo é que tem razão quando fala na nossa igreja
da rua tal... pois templo somos nós.
Camilo –
Marinha Grande - Portugal
Julho de 2004