Fanatismo Evangélico (CC)

(Deverá “clicar” nas referências bíblicas, para ter acesso aos textos)

 

 

1)   Introdução

 

Recebi dum irmão do Brasil, a seguinte notícia, que foi publicada pelo Yahoo Brasil em 2008/06/03 às 12:35


Jovens depredam templo religioso no Catete e insultam frequentadores. -  Natanael Damasceno - O Globo e TV Globo

RIO - Quatro jovens da igreja Geração Jesus Cristo invadiram e depredaram o templo Cruz de Oxalá, no Catete, no início da noite desta segunda-feira (2008/06/02). Aos gritos, três rapazes e uma jovem, todos aparentando ter cerca de 20 anos, insultaram os fiéis e quebraram todas as imagens e utensílios que estavam no local. Contidos pelos dirigentes do centro, os quatro foram levados para a 9ª DP (Catete), prestaram depoimento e foram liberados.

Pastor se diz surpreso com ataque.

Horas depois de terem sido presos, os jovens saíram sem dar nenhuma declaração. Eles disseram apenas que faziam parte de uma igreja evangélica chamada Geração Jesus Cristo.

De acordo com o site G1, o pastor Tupirani, responsável pela Igreja Geração Jesus Cristo, condenou o ataque:

- Fiquei muito surpreso. Eles não deviam ter feito o que fizeram, não incentivamos esse tipo de atitude - disse, assegurando que os quatro integrantes detidos em flagrante depois de invadir e quebrar imagens no local, são “exemplos dentro da igreja”.

Ataque no início da noite.

O ataque começou pouco antes das 19h, quando uma fila com pouco mais de 20 pessoas aguardava a abertura do centro, que funciona em um sobrado na Rua Bento Lisboa. O grupo perguntou a uma das freqüentadoras para que era a fila e, diante da resposta, teria começado a demonstração de intolerância. “Eles agrediram verbalmente todos os que estavam na fila e aproveitaram a porta aberta para entrar correndo.

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- Quando disse que estávamos ali para a consulta, eles começaram a nos insultar. Aos gritos, diziam que, por ordem de Jesus, devíamos abandonar o demônio, que estaria ali presente. Eles agrediram verbalmente todos os que estavam na fila e aproveitaram a porta aberta para entrar correndo - contou a advogada Sylvia Santana.

Os dirigentes do centro têm medo de novos ataques: - Será que outros não aparecerão? Não só na nossa igreja, mas também em outras. Isso realmente causa preocupação - ressaltou a advogada Cristina Moreira.

O centro mistura conceitos de religiões afro-brasileiras e do Kardecismo.

Segundo seus dirigentes, ele está no bairro há pouco mais de dez anos e sempre conviveu pacificamente com vizinhos católicos e evangélicos. Os ataques teriam começado há alguns meses, depois que uma nova igreja evangélica se instalou nas proximidades.

De acordo com o telejornal “RJTV”, na página que a congregação mantém na internet, vídeos e textos apresentam diversas críticas a outras doutrinas e crenças religiosas, com palavras agressivas. Em um dos textos, intitulado “Alerta para a população”, há um relato de que outros incidentes, como o desta segunda-feira, já tinham acontecido.

Segundo o RJTV, os seguidores da igreja teriam trocado socos e tapas com integrantes de outra igreja evangélica, em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, e também no interior do estado, no município de Mendes.

Os quatro invasores foram autuados e vão responder por ameaça, dano contra o patrimônio e por desrespeito a culto ou prática religiosa. As penas variam de um mês a um ano de cadeia, mais multa.

 

 

2) Objectivos deste artigo

 

Esta página da internet, a “Estudos bíblicos sem fronteiras teológicas”, normalmente não publica notícias, pelo que, inicialmente nos limitamos a encaminhar esta notícia para a Uniãonet, que está vocacionada a publicar notícias de todo o mundo evangélico.

Claro que todas as igrejas evangélicas condenaram esta atitude de fanatismo e intolerância que consideram caso isolado, com a preocupação de “demonstrar” que as outras igrejas nada têm em comum com a Igreja Geração Jesus Cristo.

Mas será assim, um caso tão isolado, se a mesma notícia afirma que “Os ataques teriam começado há alguns meses, depois que uma nova igreja evangélica se instalou nas proximidades.”?

Por outro lado, o próprio Pastor Tupirani, da Igreja Geração Jesus Cristo, afirmou que os quatro jovens são “exemplos dentro da igreja e não vejo motivos para duvidar dele. Pelo contexto desta afirmação, em que o Pastor Tupirani afirma não incentivar estas atitudes, é fácil concluir que seriam bons exemplos de civismo e bom comportamento.

Resolvi publicar esta notícia na minha página, com alguns comentários, pois penso que este acontecimento merece um estudo mais aprofundado. Por conhecer alguma coisa do Brasil, estar integrado no ambiente evangélico, e ao mesmo tempo estar em Portugal, com um certo distanciamento que me permite reflectir sem o calor emocional, decidi abordar o assunto neste artigo.

Devo afirmar, em primeiro lugar, que não é nossa intenção investigar eventuais culpados. Esse assunto está entregue às autoridades competentes do Estado do Rio de Janeiro, que irão procurar eventuais culpados em face da legislação brasileira, mas tencionamos desenvolver o assunto numa abordagem teológica.

Afinal, o que terá transformado jovens habitualmente bem comportados, a acreditar no Pastor Tupirani, levando-os a atacar um templo de outra religião, quer verbal, quer fisicamente? Pelo contexto deste acontecimento, e até pela afirmação desses quatro jovens de que actuavam “por ordem de Jesus”, não podemos excluir que a religião tenha sido o motivo principal, ou pelo menos, um dos motivos desta transformação. Será que estamos perante um problema cultural e teológico? Aquilo que em determinada cultura é um acto condenável, poderá ser uma atitude meritória, noutra cultura bem diferente.

 

 

3) Religião e violência

 

Penso que todas as religiões são perigosas, pois falam em paz e amor, mas os resultados, infelizmente, estão bem demonstrados na história universal e na história das religiões. Todas as religiões são perigosas, principalmente as monoteístas, a começar pelo judaísmo que por sua vez influenciou o cristianismo e o islamismo. Como português do século XX (vivi muito mais tempo no século XX do que espero viver no século XXI), sou tentado a afirmar que o cristianismo e islamismo foram influenciados negativamente pelo judaísmo, mas tento não fazer juízo de valores e procuro compreender sem julgar. Não sei se tal me será possível.

Certamente que este é, não só, um problema do passado, como do presente. O que vemos nos nossos dias? Irlanda do Norte com conflitos entre católicos e protestantes (espero que tenham terminado), Palestina com o conflito entre judeus e islâmicos, Iraque com a cruzada americana contra os países árabes, fronteira entre a Índia e Paquistão com a agressividade entre hindus e islâmicos… Certamente que há outros motivos culturais e económicos, mas certamente que, se a religião não é o motivo principal dos conflitos, não deixará de ser um importante elemento catalisador da agressividade humana. Embora todas as religiões continuem a falar em paz e amor, essa teoria parece ser desmentida pela realidade. Até sou tentado a perguntar: Se todos pudessem ser “ateizados”, não seria uma boa contribuição, para que viesse a tal paz que todas as religiões anunciam? 

Haverá incentivos à violência na Bíblia? É o ponto principal que nos convém investigar.

 

 

4) Violência no Novo Testamento

 

No Novo Testamento, só encontro uma passagem da vida de Cristo em João 2:13/16, em que Ele utiliza a violência.

No entanto, embora houvesse em Israel, nessa época, templos de outras religiões, Jesus não atacou as outras religiões, mas os sacerdotes e a organização do judaísmo, da própria religião em que fora educado.

 

 

5) Violência no Velho Testamento

 

Há de facto, no Velho Testamento, muitas passagens escandalosas que a maior parte dos cristãos desconhece, pois o Velho Testamento é muito grande, com 39 livros canónicos e essas passagens mais escandalosas raramente são mencionadas nos cultos. No catolicismo e no protestantismo tradicional essas passagens foram, na prática, encobertas com a criação do lecionário (textos de leitura aconselhada para um período de três anos), que acabou por funcionar como um “cânon” do cânon, pois os textos são sempre os mesmos, de três em três anos e as tais passagens mais escandalosas não constam desses textos, pelo que nunca são mencionadas nos cultos. Nas igrejas evangélicas também não é vulgar a leitura de tais passagens nos cultos, mas os crentes acabam por tomar conhecimento quando decidem ler toda a Bíblia do Génesis ao Apocalipse.

Muitos cristãos desconhecem que a escravatura tem base bíblica a ponto de um pai poder vender as suas filhas como escravas Êxodo 21:7 (nesta tradução está “serva”, mas nas cópias dos originais está escrava. Aconselhamos a consultar várias traduções).

Também a pena de morte é bíblica, e estava prevista em Êxodo 21:17, Levítico 20:10, bem como em muitos outros casos. Mas quero destacar Levítico 20:27 e Levítico 24:16. Não encontrei na Bíblia uma definição de blasfémia, mas estas passagens poderão estar na origem do ataque fundamentalista ao Centro Kardecista onde os seus frequentadores poderiam invocar os mortos ou um outro deus, que num contexto veterotestamentário poderia ser considerado como blasfémia.

Afinal, o que ensina a maior parte das igrejas cristãs, quando falam nos antigos reis de Israel? Os maus foram os mais tolerantes que respeitaram as outras religiões, e os bons foram os que destruíram, mataram e arrasaram os templos de outras religiões, que num contexto fundamentalista são apresentados como exemplos a seguir, muitas vezes sem atender ao seu contexto histórico… Foi precisamente o que esses jovens fizeram.

Também passagens no género de Levítico 26:7, Josué 6:17/24 ou Josué 8:23/30 são um forte incentivo à violência. Estas duas últimas horrorosas descrições do genocídio de toda a população das cidades de Jericó e de Ai (ou Hai) depois dos judeus terem ganho a guerra, foi ordenada por Jeová, o deus de Moisés, são apresentadas nas igrejas evangélicas como “grandes manifestações do poder de Deus”, e Josué que nos nossos dias seria um criminoso de guerra é apresentado como um grande exemplo do Velho Testamento.

 

 

6) Qual a interpretação destas passagens?

 

Certamente que reconheço o grande valor do Velho Testamento, assim como de todos os milenares livros religiosos, mas refiro-me ao seu valor histórico, para serem interpretados com a mentalidade do historiador que está perante uma descrição parcial de factos históricos que representam somente a interpretação dessa cultura, em ambiente em que não havia liberdade de pensamento nem liberdade de expressão.

Considero-me cristão, por acreditar em Cristo e só em Cristo. Só os ensinos do Mestre considero normativos.

Será que sou menos cristão do que os que acreditam em Cristo e em Moisés?

O vulgar ensino nas igrejas evangélicas afirma “crer na inspiração divina e total das Escrituras Sagradas, na Sua suprema autoridade como única e suficiente regra em matéria de fé e de conduta e que não existe qualquer erro ou engano em tudo o que ela declara” o que corresponde mais ou menos ao pensamento de S. Agostinho que afirmou: E assim, como tudo quanto afirmam os autores inspirados ou hagiógrafos deve ser tido como afirmado pelo Espírito Santo, por isso mesmo se deve acreditar que os livros da Escritura ensinam com certeza, fielmente e sem erro que Deus, para nossa salvação, quis que fosse consignada nas sagradas Letras. Esta declaração, que o Protestantismo herdou ao Catolicismo Romano, foi considerada dogma no Concílio de Trento, e reafirmada pelo Concílio Vaticano II. Sobre o assunto, veja o meu artigo A Bíblia é a Palavra de Deus? (CC)

Assim a Bíblia é apresentada como um todo com igual inspiração, pois tanto é inspirado o Evangelho de João como os livros de Levítico ou Deuteronómio. Consideram que a Lei já não está em vigor, mas continuam válidas e normativas as manifestações do deus de Moisés e o seu comportamento. Dizem que há um fio condutor do Génesis ao Apocalipse, que eu nunca encontrei nem sei como conciliar Levítico 26:7 que já mencionámosQuando perseguirdes os vossos inimigos, cairão sob vossa espada” com Mateus 5:44 onde Jesus afirma: Tendes ouvido o que foi dito: Amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo. Eu, porém, vos digo: amai vossos inimigos, fazei bem aos que vos odeiam, orai pelos que vos maltratam e perseguem.

Para afirmar que estas duas mentalidades estão em sintonia, teria de renegar o meu Mestre, teria de ignorar a sua mensagem, teria de ser hipócrita e colocar a lealdade a uma teologia ou declaração de fé acima da Sua revelação.

 

 

7) Conclusão

 

Penso que a Bíblia pode estar na origem do ataque fundamentalista evangélico ao templo Kardecista, se o Velho Testamento for considerado como texto inspirado, normativo para os nossos dias e colocado em pé de igualdade com a palavra de Cristo, como defendem muitos evangélicos fundamentalistas, que embora digam que a Velha Lei está revogada, continuam a orientar-se pelos exemplos e ideais veterotestamentários.

O grande perigo está na forma de interpretar a Bíblia, pois se esses horrores do Velho Testamento e os crimes cometidos em nome do deus de Moisés, em obediência a Jeová, são palavra inspirada, então esses jovens foram vítimas de tais ensinos que são habituais nas igrejas evangélicas.

Emprego o termo, “evangélicas”, para me referir às igrejas que assim se identificam, embora tal nome não me pareça correcto, pois igreja evangélica deveria ser a que se baseia somente nos evangelhos e não em toda a Bíblia.

A solução, para todos estes problemas será colocar a mensagem de Cristo no seu devido lugar, como única mensagem normativa para os crentes, pois só Ele é respeitado por crentes e descrentes, quer sejam cristãos, para quem Ele é o Filho de Deus, ou islâmicos para quem é um grande profeta, ou hindus pois muitos deles o consideram como mais um deus, ou ateus ou agnósticos que o consideram como um grande pensador.

A mensagem cristã não poderá funcionar enquanto Cristo estiver no lugar onde O colocaram, em pé de igualdade com os profetas, reis e criminosos de guerra, que Ele veio combater. Só quando considerarmos a Sua mensagem como a única verdadeiramente normativa para os nossos dias e a pusermos em prática, poderemos ver que só Cristo é a solução.

 

Camilo, Marinha Grande, Portugal

Junho de 2008

 

 

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Estudos bíblicos sem fronteiras teológicas