Baptismo infantil (JL)

(Deverá “clicar” nas referências bíblicas, para ter acesso aos textos)

 

O sacramento do baptismo e o pedobaptismo na Igreja Evangélica Presbiteriana de Portugal (EIPP)

Segundo os princípios que herdou, e aceitou, da Reforma do século 16, particularmente a que está ligada a João Calvino e João  Knox, a IEPP tem uma prática muito aberta no que diz respeito ao modo e à idade em que o sacramento do baptismo deve ser celebrado, isto é, tanto os baptismos realizados por imersão como por aspersão, independentemente da idade do baptizando (criança ou adulto, adolescente ou idoso) são considerados canónica e constitucionalmente válidos.

Uma vez que a IEPP não re-baptiza, ela aceita como seus membros todas as pessoas baptizadas, quer estes baptismos tenham sido celebrados segundo a sua liturgia e pelos seus pastores quer o tenham sido por outros ministros não presbiterianos e no seio de outras comunidades de Igrejas Cristãs, incluindo nestas a Igreja Católica Romana, as Igrejas Ortodoxas em comunhão com o Patriarcado Ecuménico de Constantinopla, as pertencentes à Comunhão Anglicana, as Velho-Católicas (Comunhão de Utreque) e, naturalmente, todas as Igrejas Reformadas, tenham elas um pendor mais protestante ou mais evangélico. Nestes casos, a única condição que a IEPP requer, se assim me posso exprimir, é a de que esses baptismos tenham sido realizados sob a fórmula trinitária “em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo”.

Posta a questão deste modo, poder-se-á dizer que a IEPP não tem quaisquer problemas quanto ao modo e à prática deste sacramento, nem dentro de si mesma, nem com os cristãos oriundos de outras Igrejas que a ela se querem filiar. Sabemos, entretanto, que a “questão do baptismo” é ainda um pomo de discórdia entre várias Igrejas e continua a ser um problema nas relações interconfessionais. Penso que o centro desse problema reside na questão do baptismo infantil, que leva as Igrejas a serem classificadas como pedobaptistas (as que o aceitam) e anabaptistas (as que o rejeitam). Por isso creio valer a pena dizer das razões pelas quais a IEPP é uma Igreja pedobaptista.

Devido à limitação do espaço que me é imposto, não poderei entrar na justificação pormenorizada das várias razões que a seguir passo a expor, mas gostaria que os meus leitores pudessem reagir e dar as suas “achegas” sempre que acharem necessário. Dividirei as razões que levaram a IEPP a praticar o baptismo de crianças em três secções: a) bíblicas, b) históricas e c)  confessionais.

 

a) Testemunho bíblico: Se é certo que no Novo Testamento (NT) não se encontram passagens que, de um modo explícito, apontem para a prática do baptismo de crianças, também não é menos certo que o NT não apresenta qualquer testemunho que contrarie esta prática. Se quisermos seguir literalmente o que encontramos no NT deveríamos então dizer que o baptismo é só para adultos e que nem os jovens, já na idade da razão e do discernimento, podem ser baptizados.

Por outro lado, nunca nos devemos esquecer, quando lemos e estudamos o NT, o fazemos num contexto do Antigo Testamento (AT), isto é, as Escrituras que existiam no tempo de Cristo e dos seus Apóstolos eram “a Lei e os Profetas” (=AT) e que as práticas religiosas mais não eram do que o cumprimento do que continha o AT. É neste contexto que convém relembrar o ritual da circuncisão, aplicada a todas as crianças do sexo masculino, filhas de famílias crentes. A este ritual se submeteu o próprio Senhor (e Menino) Jesus. Isto que se praticava na Igreja da Antiga Aliança (Antigo Israel), acaba por ter o seu paralelo na Igreja da Nova Aliança (Novo Israel), à semelhança do que se passa com a Páscoa e outras Festas do AT que são aceites pela Igreja Cristã.

Além disso temos os muitos textos bíblicos que nos falam implicitamente do baptismo ser conferido a todo o agregado familiar e será muito difícil, direi mesmo impossível, demonstrar que as crianças não fazem parte dele.

Pela lógica e razão comum elas fazem parte das famílias que são exortadas a baptizarem os seus membros. Entre os vários textos que se poderiam citar, escolho o de Actos 2:38/39 por ser um texto muito usado pelos defensores do baptismo de adultos (crentes) que escolhem somente o versículo 38 Arrependei-vos, e cada um de vós seja baptizado em nome de Jesus Cristo, para perdão dos pecados; e recebereis o dom do Espírito Santo para sustentarem a sua posição, mas esquecem, com muita facilidade, de ler o versículo seguinte, 39: Porque a promessa vos diz respeito a vós, a vossos filhos e a todos os que estão longe; a tantos quantos Deus, nosso Senhor, chamar. Outros textos que serão de interesse considerar para este efeito são: Actos 16:15 E, depois que (Lídia) foi baptizada, ela e a sua casa, ...., 1ª Coríntios 1:16 E baptizei, também, a família de Estéfanas..., Actos 16:31/33 ... Crê no Senhor Jesus Cristo e serás salvo, tu e a tua casa...e logo foi baptizado ele e todos os seus. Para além destas passagens que se referem directamente com o baptismo, devem ser igualmente consideradas outras que nos falam do lugar das crianças no Reino de Deus e do modo como o Senhor as acolheu e apresentou como exemplo. Vejamos dois deles: Mateus 18:6 Qualquer que escandalizar um destes pequeninos que crêem em mim, ... ou Marcos 10:13/16 Disse Jesus: deixai vir os meninos a mim e não os empeçais, porque dos tais é o reino de Deus

 

b) Testemunho histórico: A Igreja de que fazemos parte, a Igreja de Cristo, tem uma história que se desenrolou ao longo dos últimos vinte séculos (se a não quisermos ver já nos tempos do AT...). Porque esta história faz parte de todos nós, cristãos, não poderemos, por amor à verdade, saltar da situação que nos é apresentada nas páginas do NT para a que existe nos nossos dias, ignorando tudo o que entretanto se passou. Não vou segui-la passo a passo mas, no assunto que nos diz respeito, não poderei deixar de dizer existirem provas documentais do como era já usual na Igreja pós-Apostólica o uso do baptismo de crianças, sobretudo a partir do século II, e nos seguintes. Citarei os testemunhos de Justino Mártir (Apol.I.15), Ireneu (Haer. II. 39), Orígenes ( Hom. in Lev., VIII. 4, Comm. in Rom.,V.9), Tertuliano (De Bapt., 18), Cipriano (Ep. 64), etc..

A prática do pedobaptismo foi continuada até à Reforma do século XVI e defendida pelos grandes reformadores, até ter sido posta em causa pelo movimento dos Anabaptistas que passaram a aceitar somente o baptismo de crentes (adultos), prática esta seguida pelas Igrejas Baptistas e muitas outras evangélicas.

 

c) Razões confessionais: Para além das razões históricas, que fazem parte do nosso passado como Igrejas do presente século, existem outras, que chamarei confessionais, e que marcam, sob o ponto de vista de doutrina e disciplina, a prática actual da IEPP.

Como Igreja reformada, de orientação calvinista, a IEPP não se pode ignorar os argumentos defendidos por João Calvino na sua obra fundamental: “A Instituição da Religião Cristã” (Institutas). Sendo certo que o que nela se contém não constitui um dogma teológico, e daí não dever ser considerado como uma norma de fé, o seu conteúdo é de grande valor sob o ponto de vista da doutrina, da disciplina e mesmo da liturgia. Sendo impossível aqui transcrever, ou mesmo sumarizar a argumentação que Calvino apresenta em defesa do baptismo infantil, encorajo o leitor a ler no capítulo 16 do Livro IV das “Institutas” (Pedobaptismo).

Também a IEPP aceita certas das Confissões de Fé e Catecismos que foram elaborados a partir dos princípios da Reforma e entre eles contam-se (por ordem cronológica) o Catecismo de Heidelberg (1563), a Confissão de Fé de La Rochelle (1571) e a Confissão de Fé de Westminster (1646). Todos estes documentos defendem a prática do pedobaptismo.

No Catecismo de Heidelberg, cap. XXVII, a pergunta número 74 diz: “As crianças devem ser baptizadas?” A resposta é a seguinte: “Sim. Elas pertencem tanto como os adultos à aliança de Deus e à sua Igreja Génesis 17:7. Visto que a remissão dos pecados Mateus19:14 e o Espírito Santo, que produz a fé, lhes são prometidos não menos que aos adultos Lucas 1:14, Salmo 22:11, Isaías 44:1/3, Actos 2:39, devem ser incorporadas pelo baptismo, que é o sinal da aliança, à Igreja cristã e serem distinguidas dos filhos dos incrédulos Actos 10:47, como se fazia no Antigo Testamento pela circuncisão Génesis 17:14, em cujo lugar no Novo Testamento foi o Baptismo instituído Colossenses 2:11/13.

Na Confissão de Fé de La Rochelle, Cap. VII, Art.º 35, sob o título “O Baptismo das crianças”, lê-se o seguinte: “Ora, ainda que o Baptismo seja um sacramento de fé e de penitência, contudo, porque Deus recebe na Sua Igreja as criancinhas com os seus pais Génesis 17:11/22, Mateus 19:14, Actos 2:39, 1ª Coríntios 7:14, Colossenses 2:11/12, dizemos que, pela autoridade de Jesus Cristo, as criancinhas filhas de fiéis devem ser baptizadas.” (Tradução do original francês feita pelo A.).

No Cap. XXVIII, Art.º IV, da Confissão de Fé de Westminster lê-se: “Não somente os que na realidade professam a sua fé e obediência em Cristo, mas também as crianças filhas de pais crentes, de um ou dos dois, devem ser baptizadas” (Tradução do original inglês feita pelo A.).

 

Por estas, e outras razões que se poderiam juntar, a Igreja Evangélica Presbiteriana de Portugal, além do baptismo de adultos, que simultaneamente professam a sua fé, aceita a prática do baptismo das crianças consciente que a graça de Deus está sobre elas e que o pertencer à Sua Igreja não depende do grau da razão ou da idade que as pessoas têm mas sim do Amor que Ele a todos manifesta e que antecede qualquer decisão humana.

 

José Manuel Leite

Pastor da IEPP

(Out.1998)

 

 

 

Para se pronunciar sobre o batismo infantil, pedimos a colaboração do Pastor José Manuel Leite, Presidente da Igreja Evangélica Presbiteriana de Portugal (em 1998), que teve a amabilidade de nos enviar o presente texto, em que, após a introdução, o assunto é abordado sob os pontos de vista bíblico, histórico e confessional.

Embora o objectivo da nossa página na Internet seja somente o estudo bíblico, e não a história das várias igrejas, optamos pela divulgação do artigo na íntegra a fim de se poder compreender os argumentos bíblicos no contexto de presente artigo.

Quero ainda esclarecer que a “limitação do espaço” para este artigo, a que o autor se refere no quarto parágrafo, não tem nada a ver com a nossa página, pelo que todos os nossos colaboradores poderão dar aos seus artigos o desenvolvimento que entenderem caso os pretendam alterar. 

Camilo

Estudos bíblicos sem fronteiras teológicas